Resumo do Capítulo 19 – “Cultura” e Cultura: Conhecimentos Tradicionais e Direitos Intelectuais de Manuela Carneiro da Cunha

     A autora inicia o texto demonstrando as categorias analíticas utilizadas pelos países centrais que são usadas para classificar elementos das culturas do resto do mundo: raça, cultura, história e dinheiro são algumas das categorias exportadas que os povos periféricos foram levados a adotar. A introdução do capítulo elucida como essas categorias e produtos culturais que foram compulsoriamente introduzidos em seus povos passaram a ser usados pelos povos “fracos” para se legitimar e criar uma resistência a seus colonizadores servindo como argumento político. Particularmente nos casos de debate entre direitos autorais dos conhecimentos dos povo tradicionais.
  Ela também ressalta a questão, na linguagem marxista, do “cultura em si” e “cultura para si”. Partindo do principio que todos os povos têm suas culturas originais, ele já teriam a “cultura em si” e a quando adquiriram a “cultura para si” passaram a querer exibi-la e essa cultura passar a ter um caráter performático.
  Cultura e “Cultura” são falsos amigos: por não usarmos aspas normalmente, podemos confundir as duas. A cultura sem aspas é a rede de costumes e significações que estamos imersos em nossa realidade. A cultura com aspas é o “exagero” de traços típicos.
O fato que levou a essa discussão proposta pela autora ocorreu durante uma discussão sobre direitos intelectuais indígenas sobre itens culturais, e se tratava do direito sobre uma secreção de rã, kampô. Durante esse encontro um chefe Yawanawa se manisfestou usando o seguinte argumento: "Honi não é cultura!". A partir dessa afirmativa se estendeu duas discussões durante o texto, a primeira relativa à questão do direito sobre conhecimentos tradicionais pelos indígenas e a segunda sobre o significado de cultura expresso na frase no chefe Yawanawa.
Até 1992 todo e qualquer recurso genético era considerado patrimônio comum da humanidade, porém, o que acontecia de fato era que países tecnologicamente mais avançados se apropriavam desses recursos naturais para suas invenções, que eram completamente privatizadas. Nesse ano, portanto, ocorreu a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) para discutir a dominância de países mais ricos sobre os de terceiro mundo sobre as tecnologias referentes a recursos genéticos e naturais, então a CDB estabeleceu a soberania de cada país sobre seus recursos genéticos.
A partir dessa discussão sobre a soberania de cada país no que diz respeito à recursos genéticos, abriu-se mais espaço para a temática dos conhecimentos científicos indígenas sobre recursos naturais. A ONU, portanto, abriu espaço para essas discussão pois são pautas que normalmente não são apoiadas pelos governos dos países. Nesse âmbito surgiram organizações e coalizões indígenas internacionais como atores políticos.

Assim podemos refletir sobre a politização dessas organizações indígenas, uma vez que esses grupos são forçados a fazer parte dessa lógica capitalista de propriedade privada, da qual não era uma ideia inicial da cultura desses povos, para se fazerem ouvidos e assegurar seu bem-estar, esses povos precisam dialogar nessa mesma lógica. O fato de alguns povos indígenas terem se organizado politicamente causou algum espanto, pois pela visão Ocidental, o indígena carregava o estigma de ser despredido de qualquer pensamento individualista e de propriedade, porém ao passo que a cultura Ocidental apresenta duas alternativas aos indígenas sobre seus conhecimentos científicos, tornar seus conhecimentos universais e propriedades de todos ou assegurar seus direitos sobre a propriedade deles, alguns deles escolhem aquele que garante o controle sobre sua tradição.

 A autora cita uma frase de Marilyn Strathern sobre a questão: "Uma cultura dominada pelas ideias de propriedade só pode imaginar a ausência dessas ideias sob determinadas formas". Ou seja, "O conhecimento indígena é conceitualizado como o avesso das ideias dominantes. Assim, os povos indígenas parecem estar inextricavelmente condenados a encarnar o reverso dos dogmas individualistas e de posse do capitalismo. São obrigados a carregar o fardo da imaginação do Ocidente se quiserem ser ouvidos" (páginas 328).
Muitas sociedades tradicionais tem a noção de direitos privados sobre alguns conhecimentos, por exemplo, a noção que somente um líder religioso específico da aldeia pode ter conhecimento e direito sobre algum ritual, ou seja, não é cultural dessas culturas que certos conhecimentos sejam de domínio público.
Esse caso diz respeito à cultura de cada sociedade, porém, a autora sugere o termo "cultura", com aspas, esse termo, portanto, diz respeito à existência de um projeto político que considera a que o conhecimento tradicional possa se tornar domínio público (payant). Essa contradição é explicada através da propriedade metalinguística de "cultura".
A autora recorre também ao conceito de "efeito de looping" de Ian Hacking que diz respeito a uma teoria da rotulação. Essa teoria afirma, de modo simplificado, que quando pessoas são rotuladas institucionalmente elas passam a aderir a comportamentos de tal esteriótipo. O ser-humano procura, portanto, responder ao que se espera dele, mas acaba muitas vezes tendo um resultado diferente, logo, "há um novo conhecimentos ser obtido sobre o tipo. Mas esse novo conhecimento, por sua vez, torna-se parte do que se deve saber acerca dos membros do tipo, que muda novamente". Isso é o que a autora entende como o efeito looping.
A afirmativa do chefe Yawanawa é um paralelo entre a autorreflexão de Hacking e o metadiscurso do termo "cultura" sobre a cultura. Ao afirmar que honi não é cultura, ele trata da "cultura", pois ela é entendida como compartilhada por todos os membros dessa sociedade, ele se manisfestava contra isso. O honi, naquele cultura, não era compartilhado entre todos os Yawanawa.
 Em síntese, no capítulo a autora trata a questão da cultura x “cultura” e debate sobre como a “cultura” foi imposta e posteriormente aproveitada pelas sociedades periféricas. Nesse debate para elucidar a diferença desses termos ela traz como exemplo a fala sobre o Honi e a questão da indigenização – quando cita o efeito looping – que é um fenômeno de adaptação de um povo a um princípio de valor humano que  lhe foi pregado ou incutido. A partir de exemplos e reflexões sobre os termos e conceitos utilizados para definir conhecimento nas sociedades em geral, a autora explica a dicotomia entre cultura e “cultura”.

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