Análise sociológica do documentário "Santo Forte" (1999) de Eduardo Coutinho
Santo Forte, 1999 – Eduardo Coutinho
Em Santo Forte, o cineasta Eduardo Coutinho
traz um panorama da religiosidade na comunidade Vila Parque da Cidade, uma pequena
favela do Rio de Janeiro.
O ponto central dos discursos dos personagens, alguns dos quais serão analisados posteriormente, é o sincretismo religioso que está presente na grande maioria das entrevistas concedidas, a mistura de religiões cristãs com as de matriz africana e a confusão entre essas; e o Kardecismo europeu marcam fortemente os discursos dos entrevistados.
O ponto central dos discursos dos personagens, alguns dos quais serão analisados posteriormente, é o sincretismo religioso que está presente na grande maioria das entrevistas concedidas, a mistura de religiões cristãs com as de matriz africana e a confusão entre essas; e o Kardecismo europeu marcam fortemente os discursos dos entrevistados.
Santo Forte mostra como a fé está dentro de
cada um, o ato de crer em algo está dentro de uma esfera privada que é
extremamente delicada e incompreensível em muitos casos. O que Coutinho ao
mostrar em várias tomadas os espaços em que supostamente ocorreram os eventos
sobrenaturais narrados, consegue mostrar como muitas vezes essa experiência
espiritual se dá em casa, no lar dos entrevistados, denotando nos entrevistados
a forte proximidade e crença nesses eventos. Um exemplo dessa relação do
entrevistado com o seu lar, é a breve entrevista com uma mulher católica, que
mesmo com a visita do Papa no Rio de Janeiro, ela faz suas preces em seu
quarto, em frente a sua televisão durante a emissão da missa.
O diálogo religioso mistura, principalmente, a
Umbanda e Candomblé com o Catolicismo – que parece ser uma religião “oficial”
na comunidade. No que parece ser uma demonstração de poder e autoafirmação da
religião, os católicos se clamam como seguidores da Igreja Católica Apostólica
Romana. Esses católicos, em muitos casos, demonstram receio de falar sobre suas
crenças também em religiões de matriz africana, acabam relegando sua
importância em um primeiro momento, mas à medida que a entrevista segue, é
perceptível como o candomblé ou a umbanda tem um forte papel na vida religiosa
do entrevistado.
Uma das principais figuras no Santo Forte é
Thereza, uma senhora humilde com uma forte melancolia no olhar e na fala, que se
declara católica e espírita e umbandista, apesar de estar afastada com certa
decepção. Thereza demonstra uma relação de proximidade, praticamente de
familiaridade com as entidades da umbanda ao dizer que essas entidades,
principalmente Vovó Cambina, a visitavam em várias oportunidades.
A melancolia que Thereza expõe pode ser
explicada pelas dificuldades que a mesma passou na vida criando sozinha, seus
filhos e netos, que é uma realidade de outras entrevistadas. Mostrando mais uma
vez como o sincretismo religioso é muito forte, Thereza conversa com o
Kardecismo ao falar sobre suas vidas passadas. Ela acredita ter sido uma rainha
e que está “pagando pelos seus pecados” ao passar por todas essas dificuldades.
A Umbanda está presente em todos os momentos
do filme e algumas vezes com discursos antagônicos. Destacamos as entrevistas de
Vera e Carla. Vera nasceu na Umbanda e sentia que ali existia um Deus a qual
era obrigada a servir, algo agressivo e que causava-lhe transtornos. Por todas
essas questões, Vera viu um caminho a seguir na Igreja Universal; já Carla era,
como descrito pela própria, fanática pela Universal, mas passou a frequentar a
Umbanda. Esses dois casos vão a contramão das atitudes de outro entrevistado, o
Alex. Alex tem relações pessoais com três religiões: a umbanda, o catolicismo e
com igrejas neopentecostais. Seu filho foi batizado, no mesmo dia, na Igreja
Católica e na Umbanda – com autorização do padre e com o uso de água benta – e
ele próprio se diz curado por um orador de uma igreja evangélica.
Como o Catolicismo parece ser, como já dito,
uma “religião oficial” da comunidade os fiéis seguem mais a sua vivência que os
ensinamentos propriamente ditos da religião. Vanilda, por exemplo, assiste às
missas de casa ao invés de ir pessoalmente a igreja. Já Quinha, diz acreditar
também em “almas” e nunca ter comungado, um dos preceitos básicos do
catolicismo.
Coutinho mostra um pouco sobre como a
religiosidade na Vila Parque da Cidade é fortemente influenciada por duas
tradições: a tradição africana e a europeia. E de como elas se misturam.
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