RESENHA: Capítulo 4 - O ESTRUTURALISMO E O ESTADO: ALTHUSSER E POULANTZAS do livro Estado e Teoria Política – Martin Carnoy
Althusser combatia a ideia
de subjetivismo que colocava o homem no centro de sistemas metafísicos, a
ênfase colocada por Sartre no individuo e na ação individual é confrontada por
Althusser sobre os atos condicionados e o individuo subjugados pelos aparelhos
ideológicos. Ele, no seu sistema
de estruturas, menosprezava a ação do individuo em relação as estruturas,
argumentando que os indivíduos são apenas portadores das relações estruturais
em que se situam.
Seu
sistema de estrutura se baseia em três níveis diferentemente articulados: o
político, o ideológico e o econômico; e o sistema econômico seria o
determinante a última instância, visto que qualquer uma das estruturas pode ser
a dominante, desde que a estrutura econômica permita.
Althusser é completamente antiexistencialista, definindo o individuo
pela sua sujeição a ideologia dominante e tendo sua liberdade definida por ela.
E ainda, defende que os aparelhos ideológicos não são realização da ideologia
em geral, mas pela instalação de aparelhos ideológicos pelos Estados, que
transformam essa ideologia na ideologia dominante.
O ensaio de Althusser que analisa os
aparelhos ideológicos do Estado destaca quatro pontos. O primeiro é a
importância da produção e reprodução que toda forma social deve ter para se
manter, e no caso do capitalismo, se dá essencialmente pelo salário do
trabalhador que garante sua vida e reprodução. O segundo ponto é o modo pelo
qual a divisão de trabalho e habilidades se reproduzem no capitalismo: através
das escolas, com suas regras de comportamento, doutrinam os estudantes que
crescem já inseridos nessa ideologia mercantil e seguem treinados para o
mercado de trabalho, ou seja, a escolaridade tem função na reprodução das
relações de produções. O terceiro ponto é que essa reprodução do sistema é
garantida pelas superestruturas jurídico-política que pode punir e com os
Aparelhos Ideológicos do Estado;
essas superestruturas
estariam atreladas a base em última instância e são concebidos assim na
tradição marxista:
(1)
há
autonomia relativa da superestrutura com relação à base e (2) há ação recíproca
da superestrutura sobre a base - mudanças na superestrutura afetam a base, do
mesmo modo que o conceito mais
tradicional de que modificações na base afetam a superestrutura.
O
quarto ponto do ensaio de Althusser é que o Estado é a questão essencial, é o
que está enraizado na base, por isso permite a reprodução desse sistema. E por
estar tão atrelado com a base, o Estado é imune a mudanças de poder dentro do
Estado, ou seja, mudanças de classe no seu topo, sendo assim, continua a
proteger a exploração do trabalhador. A solução disso se daria na tradição
marxista-leninista pelo proletariado tomando poder do Estado burguês para
podê-lo destruir esse e qualquer outro tipo de Estado.
Saindo de Althusser e
transacionando para Poulantzas, seu aluno que posteriormente cria sua própria
teoria, temos a mudança dessa visão puramente estruturalista da sociedade e
passamos para uma visão que leva mais em conta as classes sociais e política.
Nico Poulantzas recorre sobre o conceito de
“autonomia relativa” no qual o Estado capitalista deve ser independente as
lutas de classe para funcionar bem, porém há uma dialética nessa autonomia,
pois há possibilidade da luta de classes no interior dos aparelhos estatais e o
papel dos movimentos sociais na conformação do Estado.
A obra de Poulantzas reflete a transformação de uma visão estruturalista do Estado numa visão de mais recorte histórico, onde os movimentos sociais ocupam um papel principal. O estruturalismo é muito criticado por sua postura que não leva em conta o contexto histórico e é determinista afirmando que o Estado corresponde a um modo de produção, sendo sua forma e função determinadas pela estrutura das relações de classe, e, como Althusser o viu, no modo capitalista, determinadas pelas relações econômicas de classe.
Poulantzas num primeiro momento aplicou essa teoria ao Estado capitalista, "relativamente autônomo" que aparece acima da luta de classes, quando na
verdade reproduz o
domínio da classe capitalista. Para ele, como estruturalista, o Estado no modo
capitalista de produção é "determinado”, não pelo controle direto da
classe capitalista, mas pelo objetivo de classe dos aparelhos ideológicos e
repressivos de Estado.
O autor elucida que na produção capitalista,
o capital e o trabalho se fragmentam, mas frações do capital pode -
especificamente através do Estado de classes - organizar sua hegemonia. E
porque o Estado é um Estado da classe capitalista, os trabalhadores não podem
usar o Estado da mesma forma. As críticas a essa posição
vieram rapidamente principalmente na Inglaterra, de Miliband.
O autor também afirma que na medida em que o
capitalismo se desenvolveu – saindo do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista - o Estado
capitalista mudou. Assim, as relações capitalistas de produção, a estrutura de
classes e o Estado são histórico-específicos, dentro do modo capitalista de
produção. Não há estrutura para o Estado; em vez disso, sua forma e estrutura
são feitos pela luta de classes no capitalismo, e pelo papel do Estado nessa
luta. Ele também defende que as formas e as funções do Estado não são
determinadas pelas relações econômicas de classe, em alguma subjetividade, mas
pela expressão histórica dessas relações na forma de luta. As classes
subordinadas, portanto, também moldam o Estado, ao mesmo tempo em que é um
Estado de classe, e ao mesmo tempo em que é usado pela fração dominante para
estabelecer, e ampliar a hegemonia capitalista dominante.
Um Estado contestado pelas
classes subordinadas pode se tornar disfuncional como espaço onde as classes
dominantes podem estabelecer sua hegemonia. Nesse caso, o Estado pode ter que
ser transformado drasticamente (por exemplo, torna-se mais autoritário do que
democrático) e passa a utilizar suas AIEs para dominação. O autor também
elucida conceitos utilizados pelas classes dominantes para evitar o
fortalecimento das classes subordinadas, através da “separação” das esferas
político e econômicas.
Esses conceitos são: a divisão do trabalho
manual e intelectual, que ao facilitar o acesso do trabalho manual aos
trabalhadores das classes mais pobres, permite a formação de uma elite
tecno-cientifica que passa a deter conhecimento e capital e colabora para o
aumento da desigualdade entre classes, pois só a sua presença enfraquece o
trabalhador, que se sente acuado sem conhecimento; a individualização, que
funciona criando o sentimento de individualismo e dificulta o surgimento de um
sentimento coletivo, de forma que a articulação política como um grupo fica
afetada, pois há mais barreiras para se ter uma organização de movimento
político; o direito, que é a expressão da superestrutura jurídica que apesar de
possuir ferramentas que tornam todos iguais, consegue travar e controlar os
avanços do individuo que não faz parte da classe dominante, além de levar essa
premissa de todos iguais, distraindo os integrantes das classes subordinadas de
sua exploração como classe; e o por último, a noção de nação, que pode ser
auto-determinada pelos povos através de suas afinidades linguísticas e de
costumes, mas comumente é imposta pelo Estado, que procura na formação do
território o maior proveito econômico, e se possível, poder.
Poulantzas se convenceu de que a democracia é
um tema vital para transição ao socialismo, por que a democracia (mesmo a
democracia "burguesa") é simultaneamente uma vitória da classe
operária e uma forma principal de contestação da classe subordinada no Estado
de classe.
O capítulo é importante para entender como a
teoria marxista evoluiu ao longo do tempo e como sua aplicação deve ser feita
com cuidado, levando em conta o momento histórico a ser estudado. Os autores
analisados nesse capítulo, Althusser e Poulantzas, estavam produzindo em meados
do século XX, em um período em que muitos países do mundo estavam em ditadura, onde
o autoritarismo do Estado estava muito difundido, de forma que é fácil entender
o porquê do estruturalismo tão forte em suas teorias - em Poulantzas, pelo
menos num primeiro momento - de fato,
qualquer ação do individuo naquele momento, estava de alguma forma ligado ao
Estado.
Atualmente, após a popularização do
neoliberalismo, do seu declínio e da globalização, o Estado não tem um papel
tão marcante quanto tinha no tempo
dos autores. E não
podemos julgá-los de não levar isso em consideração, pois esses elementos foram
se inserindo no contexto político após a produção de suas teorias, apesar do
pouco tempo que se tem entre isso e os dias de hoje. Apesar de boa parte de sua
teoria estruturalista não se aplicar aos dias atuais, ainda há questões
interessantes sobre como o Estado defende a reprodução do modo de produção
capitalista e como utiliza seus aparelhos para preservá-los, além da impossibilidade
de mudar o Estado, mesmo chegando em um lugar de poder nele. Essas questões são
atuais e nos ajudam a refletir como a sociedade ocidental está mergulhada nas
redes de produção e manutenção do capitalismo.
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