Análise sociológica de "Onde a Coruja Dorme" (2012) de Simplício Neto e Márcia Derraik

    Onde a Coruja Dorme, 2012 – Simplício Neto, Márcia Derraik
 No documentário sobre Bezerra da Silva, o foco são os entrevistados. O diretor utilizou recursos interessantes, como imagens antigas, provavelmente do tempo de juventude do Bezerra. Em muitos momentos o diretor traz imagens que refletem a realidade dos entrevistados, como gravações de uma estação de trem.
  O documentário aborda vários temas como violência policial, preconceito, racismo, amor e relações familiares. Todas as discussões sobre os temas terminam com samba. A música é a linha que conduz e une a narrativa. O documentário é sobre malandros e ao desenrolar da narrativa, fica explícito o que caracteriza o malandro. Malandro é um homem esperto, que não cagueta e é trabalhador, tem consciência. O próprio Bezerra diz isso e outros entrevistados reiteram e distanciam o malandro do bandido, que para eles é um “mané”, que só tem autoridade quando está com arma na mão.
  Por serem malandros, os entrevistados tem toda a sua gíria para se comunicar e isso é algo essencial para o malandro. Bezerra afirma que a elite, estuda, aprende várias palavras difíceis e se utilizam disso para falar dos pobres sem que eles entendam. A gíria é uma reação a isso, uma linguagem que intelectual nenhum sabe, só os moradores da favela e mais especialmente, os malandros.
 Os entrevistados falam de personagens da favela, dentre eles o mais odiado de todos sem dúvida é o caguete, aquele que entrega os amigos e os outros. Para esse vários sambas são compostos, alertando para as consequências de seu comportamento. Outro personagem é a sogra, essa é tratada com ironia e muito humor, e os entrevistados se divertem com as histórias engraçadas a cerca de suas sogras e do samba composto por um deles para sua, que ficou famoso entre todas elas.
  Os personagens que se destacam além de Bezerra da Silva, são Tião Miranda, um homem que trabalha com refrigeração e afirma: “ O que vai mandar no mundo atualmente são refrigeração, eletricidade e informática.” De forma que trabalhar com refrigeração, é trabalhar com o futuro; 1000tinho, que compôs muitos sambas e tem considerações em torno de todos os temas comentados, e é mais velho; Adelzonilton, que faz declarações sobre como entrar na bandidagem é um opção possível, mas que a consciência do malandro o faz ser trabalhador. Esses personagens e muitos outros, se reúnem na mesa de samba, que é sempre retratada na passagem de um tema para o outro, sendo um ponto de reunião e comunhão entre os sambistas.
   Em meados do documentário, Bezerra fez uma declaração interessante afirmando que rico não é malandro, é inteligente e pobre, como não pode ser inteligente, é malandro. Claramente expondo o preconceito e a próprias visões que limitam os moradores da favela, como em Duas Semanas no Morro, os moradores acabam absorvendo esses preconceitos e condenam seus destinos a isso.
 

  Nos documentários estudados, podemos ver a importância das personagens para a narrativa. O discurso dessas personagens reflete como eles se relacionam com seu ambiente, como os seus vizinhos e pessoas de sua convivência. Pelos documentários se passarem em favelas, é muito recorrente no discurso dos personagens, notar a dicotomia entre favela e asfalto, e como essa vem seguida do descaso do Estado ao lidar com a favela, se mostrando presente apenas quando a polícia, despreparada, faz missões na comunidade. Entretanto, a rede de relações e significações que os personagens estão envolvidos é o que enriquecem as narrativas, que tratam das singularidades da religiosidade, cotidiano e música brasileira.

Comentários